A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)
segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
REBELDIA (Leon)
-- Te quiero porque su boca sabe gritar rebeldia – sussurrou a frase de Benedetti. De repente, Anna retornou de seu mundo e Leon parecia feliz, embora constrangido. Ela teria ouvido? O táxi estacionou em frente ao Paladar e Leon sentiu que algo maior o ligava àquela moça simples, argentina, estudante de medicina em Havana. Ou seria mais uma de suas obsessões?
Havana me engana
sábado, 15 de dezembro de 2018
BUSCA SOLITÁRIA (Leon)
"Por toda parte, o velho Fidel ainda estaria espreitando ou sendo espreitado, à caça ou sendo caçado; chegou mesmo a pensar num velho solitário sentado em sua mansarda, de uniforme da Adidas, sem muito o que fazer a não ser observar o movimento das árvores, o caminho do sol numa tarde de verão. Tinha força, mas não era mais o presidente cubano, revolucionário, capaz de proferir por quatro horas um discurso vigoroso e rasgado na Assembleia da ONU, em Nova Iorque... O desejo de Leon era ver de perto a figura do comandante". Havana me engana
Foto: Roberto Nicolato
NA TROCADERO (Leon)
"-- Esse aqui muchacha -- E indicou um entre muitos quadros feitos com espátulas em cores vibrantes. O vermelho e o amarelo, o chevrolet se desintegrando naquele calor do mês de julho na Trocadero. Era uma cena de rua, com um ciclotáxi ao fundo e gente encostada nos umbrais dos prédios coloniais. Coisa de cubano. Singular. O mesmo escolhido por Leon.-- Representativo. Uma arte pura entre as demais – Leon aplaudiu a escolha do amigo, se dirigindo a Anna, agora aceitando sem muita convicção."
A arte imita a vida (Giuliano)
"...e Giuliano deparou-se com o quadro na parede, uma gravura, mera ilustração ou charge, e no centro o gentil e mimado Mickey Mouse, num traje de bolinhas; o coitadinho acossado por uma multidão de pequenos ratos furiosos e vingativos. Puro descompasso se comparado ao requinte das mesas, o lustroso chão de mármore, enfim, o estilo neoclássico do Inglaterra. A vida em Cuba era mesmo engraçada!"
domingo, 25 de novembro de 2018
DO PESCADOR (Giuliano)
"O tempo quente, um barco movimentava lento no infinito e, na lente, Giuliano focou o velho e sua rede de pesca. Foi quando se deu conta: “sou um homem nos quarenta, com mais perguntas que respostas, andando por uma estrada de terra... Queria ter o coração apaziguado de um pescador. De todos os homens, o pescador é o que mais se adequa ao tempo da espera. A espera do peixe invisível a morder a isca e ser capturado como um prêmio à paciência"
Do livro "Havana me engana"
Foto: Roberto Nicolato
NO MALECON (Giuliano)
"O Caribe, pensou Giuliano, era o mar de Hemingway. Ele viveu em Cuba entre os anos de 1939 e 1960. Queria entender, de verdade, o que o levou à ilha, depois de deixar o seu país natal, os Estados Unidos, e a Europa, sobretudo a glamourosa Paris. Há algo nas biografias que foge ao nosso entendimento sobre o autor. Os seus silêncios, os medos, as prisões... Hemingway havia embarcado na ilusão dos trópicos, no hedonismo de uma ilha paradisíaca, cruzando o Caribe, a bordo do Pilar. Vivendo na companhia de intelectuais e pescadores, homens do mar".
Do livro "Havana me engana"
Foto: Roberto Nicolato
quinta-feira, 8 de novembro de 2018
DESFAÇATEZ
A desfaçatez acontece até mesmo na natureza.
Plantas que se travestem de outras mais exuberantes e bem
quistas.
E vão tomando o lugar de outras e, quando arrancadas, deixam
para trás seus miudinhos para que possam germinar, crescer até que serão
arrancados novamente.
Tiveram tempo e lugar é o que lhes importa, para tecer o seu
fio de existência, nem que seja para os seus e para o desagrado dos belos olhos
dos homens.
Foto: Museu de Arte de Cuba
Roberto Nicolato
Roberto Nicolato
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
Romance em e-book participa do Prêmio Kindle
O escritor e jornalista
Roberto Nicolato é um dos participantes do 3o Prêmio Kindle de Literatura, com
o romance em e-book "Havana me Engana"
Trata-se do terceiro
romance do escritor e jornalista mineiro, radicado em Curitiba (PR), Roberto
Nicolato. A obra conta a história de três personagens que desembarcam na ilha
caribenha em busca de uma paixão antiga, literária, existencial e
revolucionária. A história se passa no verão de 2009 quando Cuba comemora os 50
anos da revolução socialista. Giuliano Ferraz, escritor e professor de
literatura, vai seguir as pegadas de Hemingway em Havana, com um olhar
fotográfico e humano; o jornalista Leon Soares vai no encalço do comandante
Fidel Castro e se apaixona pela jovem Anna, estudante argentina em Cuba, que o
faz recordar a ex-mulher Elena que havia cometido suicídio no Brasil e, por
fim, o hedonista André Celipeto deseja encontrar Mercedes, a bailarina da
legendária casa de show Tropicana, por quem viveu um romance tempestuoso nos
anos 90. A narrativa, estruturada como um jogo de armar, é marcada por
encontros e desencontros dos personagens pelas ruas de uma cidade vivaz,
sensual e desafiadora . Numa narrativa ágil e ao mesmo tempo poética, o autor
nos leva a refletir sobre o papel da figura dos heróis na contemporaneidade e o
sentido da vida como desejo ou forma de contemplação. Conseguirão os
personagens concretizar o propósito de suas buscas? Roberto Nicolato é mestre e
doutor em literatura pela Universidade Federal do Paraná. Autor de outros dois
romances: "A caminhada ou O homem sem passado" (Editora Blanche) e
"Do outro lado da rua" (Kotter Editorial). Parte do e-book
"Havana me engana" pode ser acessado no loja Kindle, pelo site da
Amazon.com.br.
Foto Capa: Roberto Nicolato
segunda-feira, 13 de agosto de 2018
DA ARTE DE ANDAR PELA CIDADE
Roberto Nicolato
A cidade permite muitas
leituras. Tem uma escrita muito própria e, como diria os semiólogos, é composta
de significantes e significados. No emaranhado de signos que sinalizam suas
ruas, praças e avenidas, o caminhante tanto pode se perder quanto se achar.
Mas, antes de tudo, a metrópole deve ser entendida como o espaço humano, da
convivência.
Assim, é preciso saber ler
os códigos da cidade, decifrá-los, aprender a arte de andar pelas ruas, como
diria o cronista carioca João do Rio, que deixou o espaço confortável da
redação do jornal para penetrar na alma do Rio de Janeiro. Dos mangues aos
morros, do reduto burguês ao universo do proletariado, nada escapou à
curiosidade e ao olhar do cronista.
O andar apressado deve dar
lugar a caminhada tranquila, observadora. Grandes verdades podem se ocultar no
que é episódico e circunstancial. O escritor Rubem Braga extraía lirismo e
poesia de um simples flagrante na esquina, que pode muito bem retratar a alma
de uma coletividade.
Na arte de andar pelas ruas,
a máxima do cronista é um ensinamento: "A verdade não é o tempo que passa,
a verdade é o instante". Instantes
que fazem parte da existência humana, que nos acompanham e que não damos conta.
A cidade também é o espaço
onde presente e passado se fundem. Escavar os labirintos da memória é buscar a
identidade da cidade. Neste aspecto, uma metrópole como Curitiba é muito mais
do que nos salta à vista, num primeiro instante. Muito mais do que as invenções
urbanísticas que dominam a cena.
Quem aqui chega pela
primeira vez pode ter a sensação de que a cidade tem uma breve certidão de nascimento,
tal é a modernidade. Mas Curitiba esconde outros mistérios, histórias e tantos
outros projetos arquitetônicos e urbanísticos. A melhor maneira de penetrar
neste universo, na outra Curitiba, é ler os livros do escritor Dalton Trevisan.
Assim, é possível ver a
cidade invisível, penetrar na cidade que ultrapassa o discurso oficial. Mas
quem pretende seguir os rastros dessa memória, andando ou flanando, o primeiro
passo deve ser dado em direção à Casa que leva o nome de Romário Martins, a
única que restou do período colonial na cidade. Ou então começar pela leitura de Em busca de Curitiba perdida, do
contista paranaense.
Espaço
de contemplações
Mas de nada adianta as intervenções
urbanas se o convívio social permanece rompido. Charles
Baudelaire, o poeta da modernidade, utiliza uma metáfora no poema "O
Cisne" que bem caracteriza o processo de modernização da velha Paris em
meados do século 19 e faz pensar nas transformações urbanas que as cidades
passaram no século 20: "(...) de uma
cidade a história/Depressa muda mais que um coração infiel".
Para o
filósofo Walter Benjamin, um dos grandes estudiosos da obra de Baudelaire,
"a cidade de Paris ingressou no século 20 sob a forma que lhe foi dada
Haussmann. Ele realizou sua transformação da imagem da cidade com meios mais
modestos que se possa pensar: pás, enxadas, alavancas e coisas semelhantes”. O
prefeito Georges Eugène Haussmann começou as obras em 1859. Derrubou
bairros inteiros em nome do progresso e da modernidade.
O
pensamento de Baudelaire sobre esse novo tempo, na verdade, abriga muitas contradições. Não é à toa,
que Marshal Bermann, em Tudo o que É
Sólido Desmancha no Ar, afirme que na obra do poeta simbolista francês há
visões distintas de modernidade, que muitas vezes estão em oposição. Ou seja, as celebrações líricas da vida
moderna em determinado momento se contrapõem às veementes denúncias contra a
modernidade.
Se por um lado, a multidão – o
cortejo heroico dos dândis, flauners, apaches, lésbicas,
trapeiros, proletários, prostitutas, que são as alegorias da modernidade – instaura como o grande
personagem de Baudelaire, por outro, poeta vai lançar um certo desdém sobre a
ideia de progresso, sobre o pensamento e a vida moderna, como está escrito em
seu ensaio “Sobre a Moderna Idéia de Progresso Aplicada às Belas Artes” (1855).
Os
poemas em prosa de Baudelaire, contidos em Spleen de Paris, assim
como os "Tableaux de Paris", de Flores do Mal, por
exemplo, colocam o poeta como um dos grandes escritores urbanos. “Os olhos dos pobres” (1864) e “A Perda do Halo”, contidos no Spleen de Paris, foram escritos no
período em que Haussmann, sob o comando de Napoleão III, remodelou a cidade de
Paris, implantando uma vasta rede de bulevares no coração da velha cidade
medieval e novas vias para circulação do tráfego.
Segundo Berman, com o novo planejamento urbano, Paris se tornaria uma festa para os olhos
e os sentidos. Mas as transformações que “haviam tirado os pobres do alcance da
visão, agora os trazem de volta diretamente à vista de cada
um”.
Com a
modernidade, o olhar antes circunscrito aos valores eternos e imutáveis se
volta para o efêmero. E como um grande visionário, Baudelaire já acenava
em "O Cisne", para a perda da medida (geográfica e social) das
cidades, embora nem tanto para a dimensão a que alcançou no decorrer do século
20.
Outra leitura obrigatória, desta
vez para entender "poeticamente" e penetrar no fantástico universo da
urbanidade dos tempos mais remotos aos atuais, é o livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino. No diálogo entre Marco Polo e Khubai Klan, o
espaço é revelado a partir da memória, dos símbolos, para no decorrer das
narrativas atingir o caos, a perda da medida, ou seja, a cidade sem fim,
envolta em problemas de toda a ordem.
O tema é apaixonante e a
literatura, que versa sobre o assunto, é vasta e plural, contemplando todas as
áreas do conhecimento. Em Cidades
Estreitamente Vigiadas: O Detetive e o Urbanista (Editora Casa da Palavra),
Robert Moses estuda a formação da ordem urbana no Rio de Janeiro, onde esses
profissionais se inserem, revelando como se organizou o convívio dos habitantes
e se deu as reformas urbanísticas.
Para isso, o autor voltou ao século
19, quando o Rio era uma cidade em pleno crescimento, com uma população
misturada de negros, escravos, burgueses, analfabetos e imigrantes. Para moldar
a cidade como um espaço de convivência, era preciso enquadrar esses habitantes
diversos na idéia de civilidade.
Desta forma o detetive e o
urbanista são chamados para devolver a ordem à cidade. Mas após suas passagens,
diz o autor, "não resta mais nada, nem labirinto, nem multidão e nem mesmo
a cidade, que se transforma num espaço abstrato, sem densidade histórica".
Assim, a cidade passa a ser apenas
ponto de passagem para o automóvel, a se constituir num espaço fragmentado. E
intervenções urbanas parecem não dar conta de que antes de modificar a paisagem
é preciso estabelecer a rede de sociabilidades, o convívio humano que foi
rompido. Senão, os espaços se tornam meros lugares de passagem e contemplação.
sexta-feira, 10 de agosto de 2018
sexta-feira, 27 de abril de 2018
JORNALISMO E LITERATURA
Considerações
sobre estilo e representação da realidade
Os recursos estilísticos utilizados pelos gêneros
literários e jornalísticos se diferem e ao mesmo tempo se aproximam, embora a
atividade jornalística tenha considerado como intrínseca à sua própria
característica o estilo direto, a concisão, clareza e precisão. Mas é preciso
se ater aos estudos do Gênero, no interior do próprio discurso jornalístico,
para entender que esse é um parâmetro para determinar a clareza, a transparência
da linguagem, pois o máximo que o jornalismo pode chegar é até as notas do
estilo realista da literatura, de Balzac a Dickens e Flaubert.
Ou seja, a natureza da atividade
prática e a função no qual está inserido o jornalismo, coloca a linguagem a
serviço principalmente da comunicação e com o espírito da ética na relação com
o leitor.
De
outro modo, o estilo literário prima pela indefinição, ambigüidade e pela
representação indireta da realidade. Mas no contexto da pluralidade dos modos
de criação literária, o caráter documental e objetivo – que tem definido a
linguagem jornalística desde o início do século XX -- também pode constituir o
principal arcabouço na construção dos romances e novelas em diferentes fases da
literatura.
Como exemplo, citamos as experiências com o realismo social de Balzac,
Dickens e Flaubert, na Europa; a escrita de Lima Barreto, em estilo
jornalístico, e considerada “desleixada” por muitos críticos; sem falar nos
romances regionalistas de cunho extremante objetivo como Vidas secas, de Graciliano Ramos, e boa parte da literatura dos
anos 70, fase marcada por uma fecunda aproximação da literatura ao jornalismo.
Ou seja, a literatura pode incorporar o estilo
comum à história e ao jornalismo, no que consiste especificar o caráter de
verdade da ficção, conforme assevera Peter Gay:
A ficção pode, sem dúvida, oferecer a veracidade dos
detalhes; os romancistas e poetas não são estranhos à pesquisa. Balzac, em Les ilusions perdues [as ilusões perdidas], conta aos leitores
talvez mais do que estes se interessassem em saber sobre as atividades
gráficas; Melville acumula informações técnicas exaustivas sobre as baleias e a
caça a elas em Moby Dick; Thomas Mann discorre com um prazer indisfarçado sobre
as causas e o tratamento da tuberculose em Zauberberg [A montanha mágica]. Tais
fatos, em si, são reportagens; retirados do contexto ficcional em que ocupam
sua função, seriam textos jornalísticos, especializados ou mesmo históricos
(GAY, 1990, p.172).
Quanto
ao jornalismo, o estilo marcado pela objetividade, clareza e concisão,
predominante desde o início do século XX, segue a velocidade das práticas
rotineiras e tende a apresentar margens de diferenças de um discurso da
Internet, para o de um jornal ou de uma revista. Mas todos, no entanto, têm
algo que os assemelham: uma padronização notória e homogênea que se situa em
menor ou maior grau, mas que os define, principalmente neste momento em que há
um distanciamento maior em relação aos procedimentos literários.
Para o leitor, não se trata de uma tarefa
difícil diferenciar, na atualidade, a enunciação jornalística da literária,
visto que o jornalismo criou um discurso autônomo, e predominantemente marcado
pela objetividade, muito embora ainda prevaleçam em alguns textos os procedimentos
assemelhados ao de uso corrente do new
journalism. Ou seja, em contrapeso, o jornalismo tem utilizado em
diferentes fases o discurso indireto e plurívoco dos procedimentos literários.
Na questão do estilo, da mesma forma
que objetividade aproxima-se da notícia, a subjetividade muitas vezes pode
acompanhar o discurso como o zumbido de uma mosca na grande reportagem, numa
revista ou livro. A notícia, pela sua própria natureza, vai carecer de um tipo
de linguagem mais próxima da realidade objetiva, para dar conta do objeto que
precisa ser descrito no seu imediatismo e na intenção de propor a verdade.
Trata-se, desta forma, da opção por um discurso que cumpre uma função moral,
ética, de caráter anunciador do fato, mesmo que este traga em si diferentes lados,
algumas facetas nas quais são projetados fachos de luz para torná-las mais
visíveis.
A subjetividade, por sua vez, tende
a ganhar espaço e valor na medida em que o fato se amplia, ganha dimensão
sociológica, intelectual e simbólica numa grande reportagem na qual não se pode
desprezar as figuras de retórica e os diferentes pontos de vistas no sentido de
contar uma história. No fundo, os estilos praticados por ambos os gêneros mais
os unem do que os distanciam, sendo que na literatura, por ser guiada principalmente
pelo ficcional e pelo imaginativo, há uma maior pluralidade de experiências e
experimentações.
Em suma, é preciso ressaltar que a
maneira como cada gênero representa a realidade irá refletir na linguagem e no
estilo adotado pelo enunciador, predominantemente de forma mais direta e
comunicativa no caso do jornalismo, ou indireta no tocante à literatura. Neste
sentido, vale lembrar que a ruptura provocada pelas vanguardas no início do
século XX trará aos olhos do leitor uma realidade muitas vezes distorcida e
fragmentada.
Se na questão do estilo e
representação da realidade, pode-se dizer que há certa diferenciação – mas que
em alguns momentos da história se aproximam por demais pelo próprio empréstimo
de um gênero ao outro –, distanciamento maior ocorre em relação às funções que
cada um dos gêneros exerce quando da representação de uma determinada
realidade. Enfim, no caso específico do jornalismo, a comunicação com o leitor
e a busca da verdade através do pacto ético. “Num texto de 1927, A natureza da experiência estética,
George Herbert Mead salientava que o jornalismo tinha várias funções, uma delas
a de dar espaço ao imaginário, outra a de procurar notícias, necessária a uma
sociedade aquisitiva. Entre as duas, a margem é estreita e a dimensão de
informação inseparável da componente estética, aqui definida numa dimensão
social” (PONTE, 2004, p.53).
Esta discussão levanta outras
questões: a primeira se dá no nível da linguagem, ou seja, é certo que no
jornalismo impera a função pragmática, mas nada o exime de dialogar com a
função estética, o que é comprovado principalmente nas grandes reportagens e
nas crônicas, consideradas um gênero híbrido entre o jornalismo e
literatura. Por outro lado, a literatura,
que por sinal é reconhecida pela função estética, ou pela linguagem no mais
alto grau de significados possíveis, como diria Pound, pode também exercer uma
função pragmática, e um exemplo é a produção literária durante o regime militar
no Brasil pós-64 que, em função da censura, manteve um diálogo intenso com a
linguagem e os procedimentos jornalísticos.
A discussão invariavelmente
encaminha-se para questões de fundo moral e filosófico que, de certa forma,
estão relacionadas à natureza intrínseca e afirmativa dos dois gêneros e às
tentativas de situarem-se em campos autônomos. Enquanto o jornalismo passará,
ao longo da história, a ser regido cada vez mais pelo pacto ético com o leitor,
pela busca da veracidade dos fatos, a literatura deixará de, obrigatoriamente,
estabelecer compromissos com as funções de caráter moralizante, conforme já
mencionado, para avançar pelo domínio plural e indefinido da natureza estética,
a partir do que se convencionou chamar de “arte pela arte” dos simbolistas e
parnasianos do século XIX até culminar com as transformações operadas pelos
movimentos de vanguardas no início do século XX.
Isto, entretanto, não impediu que o
campo plural da literatura continuasse a abrigar uma visada de caráter ético
que, se não estava condicionada ao encontro da verdade de caráter imediato do
jornalismo, resultará num esforço de constituir uma prosa direcionada ao modo
solidário do processo ficcional para com as classes oprimidas, contrário à
violência, às injustiças sociais e a qualquer possibilidade de restrição da
liberdade do indivíduo num determinado contexto sócio-cultural.
No livro Que é literatura, o filósofo e escritor Jean-Paul Sartre defende,
inclusive, a tese de que, por essência, a literatura deva desencadear ações
para o desvendamento da realidade, de modo que o escritor sempre necessitará
promover escolhas e que jamais poderá portar-se na condição de “inocente”
diante do mundo. “(...) acreditamos que
o escritor deve engajar-se inteiramente nas suas obras, e não como uma
passividade abjeta, colocando em primeiro plano os seus vícios, as suas
desventuras e as suas fraquezas, mas sim como uma escolha, com esse total
empenho em viver que constitui cada um de nós (...) (SARTRE, 2006, p. 29).
Conforme observa o autor, a
literatura só se realiza quando compreende a possibilidade da liberdade de
escolha. Este posicionamento, inclusive,
é evidenciado nas obras de ficção produzidas por Sartre em total consonância
com o seu pensamento filosófico, expresso na liberdade compromissada com outro,
presente, por exemplo, na trilogia “Os caminhos da liberdade”, composta pel’ A Idade da razão, Sursis e Com a morte na alma.
Não se escreve para escravos. A arte da prosa é solidária
com o único regime onde a prosa conserva um sentido: a democracia. Quando uma é
ameaçada, a outra também. E não basta defendê-las com a pena. Chega um dia em
que a pena é obrigada a deter-se, e então é preciso que o escritor pegue em
armas. Assim, qualquer que seja o caminho que você tenha seguido para chegar a
ela, quaisquer que sejam as opiniões que tenha professado, a literatura o lança
na batalha; escrever é uma certa maneira de desejar a liberdade; tendo
começado, de bom grado ou à força você estará engajado (p. 53).
Por
certo que o posicionamento do escritor e filósofo francês, de defesa do
engajamento quando da produção literária, deva ser entendido dentro do contexto
histórico-social no qual o autor estava inserido, marcado pela resistência
francesa durante a Segunda Guerra Mundial; e também pelo fato de a obra Que é literatura constituir-se numa
resposta de Sartre a Julien Benda, defensor do não-engajamento do escritor em
seu livro La trahison des clercs. No
fundo, a recusa de Sartre representa uma forma de combater aqueles para quem o
escritor não pode, de maneira alguma, estar comprometido com o seu tempo histórico,
mas somente com o exercício da arte pela arte.
É
evidente que a tese de Sartre se apresenta nos dias atuais de forma datada,
tendo em vista a libertação da literatura de uma conduta, diria exemplar. Por
outro lado, a historiografia literária brasileira vem demonstrando que este
gênero acabou sendo acionado em momentos que ao jornalismo foi negado o
exercício de sua função ética, libertadora e democrática, de compromisso com os
interesses de grande parte da sociedade.
Um exemplo foi o caminho trilhado pelos escritores, a maioria
jornalistas, na década de 70, na busca de retratar a realidade social e
política do país, apagada pelo mando da censura. Ou então, o engajamento de
Lima Barreto, na luta pelo fim da discriminação e divisão racial e de classe no
país no raiar da República.
No
mais, não se sabe até quando efetivamente o jornalismo e a literatura
permanecerão como tentativas de se estabelecerem como gêneros autônomos, uma
vez que vivem historicamente numa relação de simbiose, necessária para dar
conta de revelar as relações de poder exercidas a partir dos mecanismos de
intervenção e representação da realidade.
Se levarmos em consideração as
idéias de Eagleton, as distinções de gêneros, fruto da sociedade burguesa, quem
sabe um dia poderão se mostrar falaciosas, no contexto de uma sociedade que
prima pela pluralidade de meios de compreensão da atividade artística e do
diálogo entre os diferentes tipos de artes, neste início do século XXI.
O jornalismo absorveu o discurso da
ciência, do ideal “burguês”, da modernidade.
Era necessário, no âmbito do espírito do direito à informação que
predominava no final do século XIX, que este adotasse uma linguagem objetiva e
que carecesse de um método, de um conjunto de regras para que estas pudessem
ser utilizadas por todos. Era necessário uma aproximação da verdade objetiva
para o relato, pelo menos num primeiro momento, no calor dos fatos.
Na contemporaneidade, estas práticas
continuam a ser adotadas, a servir como guia nas atividades jornalísticas, embora
não invalidem as experiências estéticas realizadas nas grandes reportagens,
artigos e ensaios. Talvez algum dia a
literatura traga novamente o jornalismo para o campo literário, como
primo-irmão do romance, do conto e da poesia.
Uma tese, porém, considerada distante, tendo em vista o fato de o
jornalismo ter alcançado maior proeminência, como porta-voz do cidadão nas
ditas sociedades democráticas.
No
mais, é preciso considerar o fato de o jornalismo ter deixado de representar
mera figura de retórica, após o poder de influência que passaria a conquistar
no século XIX, e com o império que em torno dele se formou, no século XX, a
partir do surgimento das grandes redes de comunicação, transformando-se no
principal agente na configuração da esfera pública na sociedade moderna. E por fim, vale lembrar que tem crescido a
produção de estudos teóricos que buscam oferecer-lhe um atestado
epistemológico, como um campo autônomo.
Desta forma, a natureza dos
princípios do jornalismo e da literatura mostra-se distinta. E não é possível
pensar mais no ideal de pura aproximação como havia há pelo menos um século. Da literatura agrada ao jornalismo a linguagem,
embora não é raro observar, nas últimas décadas, uma redução da dimensão
estética, dos procedimentos literários, nas reportagens publicadas nos veículos
de comunicação, principalmente no Brasil. O interessante, no entanto, é saber
até que ponto a prevalência deste discurso objetivo e científico, que lhe
contribui para atestar o seu caráter de autonomia, prevalecerá nos jornais
impressos, tendo em vista que os meios eletrônicos e digitais captam a
informação no seu imediatismo e, nisso, o discurso da objetividade, da pirâmide
invertida, já vem exercendo uma função primordial.
Ao jornalismo impresso, quem sabe
restará novamente a busca de uma aproximação maior com a literatura, por meio
de um discurso diferenciado capaz de seduzir aquele que lê, com outras armas
que a própria divulgação da notícia, que a comunicação imediata com o leitor.
Invenção
A cor
da água
flui
vaga, rosa,
(mente)
pelas ruas,
vindo
soturna:
cor(ação).
A
mola do mundo,
solta
no caos.
Imprecisas
retinas.
O
corpo na cerca,
estendido
no fio
de
arame:
holo(caos)to.
Violetas,
violas
invento:
Um peixe
anarquista no aquário!
(Foto: Raquel Santana)
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
Prosa Paranaense


REPORTAGEM:
DNA DA PROSA PARANAENSE NO
SÉCULO 20
Consanguinidade nada aparente
Prosa paranaense traduz no realismo ou linguagem algumas das contradições do século 20
Roberto Nicolato
A prosa paranaense pertence a uma árvore
geneológica de muitos frutos, mas com raízes que saltam à terra. Para o bem ou
para o mal, carece do peso e dos fortes lastros da tradição e do passado. Sendo
uma produção mais recente do que a de outros estados brasileiros, está ancorada
no novo, como produto da modernidade. E assim traduz, na sua timidez, algumas
das contradições do século 20. Seus representantes mais ilustres poderiam
descender diretamente da vertente simbolista, que encontrou terreno fértil para
se alastrar em Curitiba. Um exemplo típico dessa experiência é o único romance
simbolista brasileiro, No Hospício,
escrito por Rocha Pombo em 1905, e considerado como o único que pode levar este
nome na história da literatura brasileira, segundo o crítico Moisés Massaud. No
Hospício é o que se poderia chamar de romance-ensaio, com justaposição de
outras linguagens fazendo parte da estrutura narrativa. Sem muita ação, se
passa num hospício para onde o personagem Fileto se refugia, como numa torre de
marfim, se utilizando do monólogo interior para falar de religião, filosofia,
história e literatura.
Para
a professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Paraná,
Marilene Wanhardt, quando se fala em DNA da literatura paranaense o primeiro
nome que surge é do contista Dalton Trevisan. "Ele encarna por excelência
na sua ficção esse estereótipo do curitibano contido, que fala pouco, e crítico
da província. Uma curitibanidade que também se revela no modo de expressão da
maioria dos autores que vivem na capital paranaense, numa província que
mitifica as suas manifestações menores ou não deixa aflorar suas expressões
mais significativas". Se a urbanidade tem certa prevalência como tema na
prosa paranaense, por outro lado são poucas as obras que se dedicam à ficção
histórica, rural ou sobre a imigração. Um levantamento feito pela professora
Marilene na Região Sul, no período de 1955 a 1990, revelou que dos 30 romances
históricos publicados no período apenas quatro eram paranaenses, com destaque
para O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier e Casa Verde, de Noel Nascimento.
"Talvez o fato de sermos pobres na ficção histórica tenha a ver com a
questão identitária, já que nosso perfil cultural não é muito divisado. O que
não é exatamente ruim, uma vez que não tenhamos de ir atrás desta
tradição", observa a professora da UFPR. Marilene diz ainda que não se
pode dizer que exista uma literatura paranaense na mesma acepção, por exemplo,
da praticada no Rio Grande do Sul. "Embora tenhamos nomes significativos,
a produção não traduz esse perfil do estado. O que temos é uma literatura no
Paraná", afirma. Neste entrecruzar de influências ou consangüinidade,
talvez a expressão do escritor Wilson Bueno possa resumir o assunto:
"Somos herdeiros dos simbolistas, das vanguardas, das retaguardas e não
podemos fugir do nosso passado. De Homero, passando por Rocha Pombo".
Legenda: Capa do livro “Remorso”, da Coleção Brasil Diferente de Newton
Sampaio, editado pela Imprensa Oficial do Paraná, em 2002. Linha do tempo 1907
– É publicado o romance No Hospício, do historiador Rocha Pombo. O crítico
Moisés Massaud o considera como o principal romance do movimento simbolista.
Sem muita ação, livro traz diálogo com a história, filosofia, religião e
literatura. Antes outros romances simbolistas haviam sido publicados no Paraná,
mas de pouca expressão comoMocidade Morta (1899), de Gonzaga Duque, e Amigos
(1900), de Nestor Vitor. 1939 – Newton Sampaio publica Irmandade, livro de contos
marcado pelo tom pungente e pela sátira ao modo de vida da província. É
considerado como a primeira voz moderna na literatura paranaense e precursor da
geração de Dalton Trevisan.
Em
1946, a Revista Joaquim, editada por Dalton Trevisan, surge com a
proposta de homenagear todos os Joaquins e propor uma arte de caráter
cosmopolita e inovadora. Publicação vai servir como o veículo onde Dalton
Trevisan dará visibilidade a sua produção literária. 1959 – Dalton Trevisan
publica seu primeiro livro Novelas Nada Exemplares, que já o revela um escritor
amadurecido. 1968 – Primeiro livro de Jamil Snege, Tempo Sujo revela uma
espécie de narrativa-depoimento da geração que freqüentava a "Velha
Adega", em Curitiba, na década 60. Nas décadas de 80 e 90, se destacou no
cenário literário local com as obras Como Se Fiz Por Mim Mesmo, Viver É
Prejudicial à Saúde e Grande Verão da Leitoa Branca. 1975 – Publicação de
Catatau, de Paulo Leminski. Romance experimental que traz um extenso monológo
em que se projeta a figura do filósofo René Descartes que supostamente teria
vindo ao Brasil junto com Maurício de Nassau. Posteriormente, Leminski acabará
se tornando o principal nome da poesia brasileira nos anos 80. 1977 – O Homem
Vermelho, de Domingos Pellegrini, ganha o prêmio Jabuti. Com uma prosa ligada à
temática social e ao desbravamento do norte do Paraná, Pellegrini vai escrever
ainda Terra Vermelha, O Caso da Chácara Chão, entre outros livros, sendo
considerado com um dos maiores contistas nacionais. 1981 – Valêncio Xavier
começa a ter projeção literária com o lançamento de Mez da Grippe, livro que
foge da narrativa tradicional e que tem suscitado polêmicas entre os críticos.
Livro é produzido a partir da montagem de recortes de jornais, depoimentos,
poemas e cartões postais, numa valorização da imagem, seguindo uma
característica própria na produção do autor. É fundada a editora Criar Edições,
de Roberto Gomes, ˆria Zanoni e do recém- revelado Cristovao Tezza, que viria
se tornar um dos grandes romancistas da geração 80/90. Década de 90 - Destaque
para Mar Paraguayo, considerado um dos livros mais importantes da década.
Manoel Carlos Karam ganha o Prêmio Cruz e Souza, com o livro Cebola; Miguel
Sanches Neto lança Chove sobre Minha Infância, Roberto Gomes retoma a prosa com
Solidão em Curitiba e Valêncio Xavier tem sua obra reconhecida nacionalmente.
Em paralelo, a produção londrinense revela a prosa de Mário Bortolotto.
Matéria publicada no Caderno G, do extinto
jornal impresso, Gazeta do Povo – Curitiba
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