A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Este amor maduro

Eu, deste amor, me invado
porque desconheço teu modo,
nele, que habito como
um pássaro, de vôo incerto.

É como  nuvem que
no céu destoa,
chuva próxima que chega e
desaba, lavando sortilégios,
rusgas e outras advinhações.

É um amor sem juízo, antigo,
tronco de figueira que
atravessa as margens
de um rio cristalino, com seus
peixes multicores, desavisados.

Eu que deste amor sempre
perco a razão de vivê-lo,
e nele retrocedo com um
sentimento puro 
das aves de arribação.

Um amor feito de ondas,
que se repete, mas
se reinventa, arrastando
até a areia  restos de natureza e
outros seres do além-mar.

É um  amor que nunca
me apercebo porque é de
mim já companheiro, irmão
de alma, fruto que do pé se
desprende,  na florescência.

É como se nele habitasse,
embora me veja distante e
desapegado. É um amor
sem promessas, futuro,
porque nele já se faz passado.

Eu, neste amor me calo,
porque tudo foi dito sem palavras;
 só olhares que antecipam
o gesto, primeiro,
embalando sonhos.

É dele um sentimento maduro,
cristal de quartzo,
 vinho de delicado sabor,
que ao tempo resiste; água de chuva
que se recolhe, sem pressa.

É um amor que resiste
ao vento, às tempestades;
névoa de outono, calor dos
trópicos , frio, lã das cobertas
que me aquece o corpo.

Este é o amor que me revela
nas noites solitárias e tristes;
que me contenta, enternece,
para sempre vivido.
Um amor que não se pensa.
E assim se faz, necessário, inocente
e impuro. Este amor maduro.

Poema de Roberto Nicolato


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Um poema para o blog teorias e prosas



OUTONAL
  
Quando no outono, a tristeza desse coração desfolha,
Lembre-se de cortejar o sol, o corpo nu,
para que se cumpra a promessa.

As abelhas mirins virão a nós, na preguiça dos dias.
“É tudo em vão”, dirá a flor ao bicho que se espreguiça.

“Que o universo desse amor
seja o caminho de árvores,
 veredas e buritizais”.

Dorme no outeiro o coração do homem que duvida.
É tempo de espera, de recolhidas adivinhações.
Na solidão da floresta, densa é a noite, 
melancólica a visão do dia.

Um jaboti assovia uma canção de ninar:
“Dorme nos meus braços
a flor violeta dos manacás”.

É tempo de resinas e caules nus, vidas secretas
Do caracol ensimesmado na carapuça.

As abelhas mirins fecham-se no tronco de uma palmeira.
Deixe que a lua projete a sombra dos mares.
Desenhe um arco-íris na Garganta do Diabo.
Essas são as águas com que fazes a prece.
O orvalho com o qual inauguras todas as manhãs.

Molhe-o com teu rosto, ensine o perdão.
Não há mais tempo para o amor tardio.
A encenação das aves, inclinadas ao vento.
Recolhe-se o lagarto, o camaleão nas tendas.
O coração que se resguarda na carapaça
Para que o tempo se cumpra, outonal.

                                         Poema de autoria de Roberto Nicolato - Curitiba/PR
                                         (Fotos: Roberto Nicolato)