A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

TRATADO DA NATUREZA



1 – Os bem-ti-vis usam os ninhos apenas para a reprodução.  Depois do amor o abandono, onde agora saíras multicores fazem deles o local preferido para o seu amor tardio.

2 – Elas, as formigas, carregam as flores e folhas aos pedaços. É de partir o coração!

3 – Um casal de bem-te-vi inseparável. No mesmo fio de alta tensão, próximos ainda ao ninho.

4 – As bananeiras crescem com urgência desmedida no verão. Nutrem de muita água das chuvas. Vergam em direção ao céu.

5 – Elas, as formigas, cortam as avenidas atrás de folhas tenras. Uma passarela de muita riqueza, e tristeza.

6 – Todas as árvores crescem de uma urgência desmedida no verão. Agora meu olhar acredita.

7 – Vou moldando a natureza. Não posso deixá-la sozinha seguir, seu próprio instinto. É muito confuso!

8 – É no pequeno detalhe que estão as grandes significâncias. Um exagero do belo!

9 – A fêmea do Teiú dá luz na primavera. No verão, os filhotes se erram das matas e acabam revelando suas cores em outras moradas.

10 – Onde estarão as corujas que um dia povoaram meu inverno? Recolhidas no buraco da minha memória já contei umas três...

11- No começo do outono as árvores crescem e se embebedem com as águas da  chuva. Só não as vejo crescer porque adormeço.

12 – O fruto da bananeira rompeu o ventre noutro dia. Na calçada de azulejos restaram flores coloridas de paixão.

13 – O roxo da bananeira é da flor ou do fruto? Para os insetos não existem cores na satisfação.

14 – O pássaro vermelho pousou ao lado da casa. Era tão lindo de ver que as folhas juntaram-se, desavergonhosas, para me escondê-lo da vista.


15 – Espatifam-se na água, os pássaros brancos de minha paixão. Não muito longe, sob um olhar duvidoso.

Foto: Roberto Nicolato

sábado, 30 de abril de 2016

sábado, 12 de março de 2016

TIRO CERTEIRO










Da árvore

Que chovia

Assovios,

De vez em

Quando

Caía

Um pássaro.

Em desaviso.


O velho de

Espingarda

Grosso calibre

Disparava no ar

O tiro certeiro.

Asas

Partidas

Cobriam

O chão.

O vermelho

Me atirava

bem no fundo

dos olhos:

a sempre

mesma

tempestade

de  sangue.


Poema e desenho: Roberto Nicolato


sábado, 27 de fevereiro de 2016

UMA BREVE ANÁLISE DO CONTO "UMA VELA PARA DARIO"

Roberto Nicolato
#robertonicolato
#nicolatoroberto



As noções de lar e província no conto "Uma vela para Dario", de Dalton Trevisan, estão muito próximas. A casa é o espaço onde há uma suposta relação de afinidade e intimidade entre as pessoas, que carregam certo grau de parentesco. No caso da província, se não há um parentesco, há uma afinidade pelo próprio fato de ocupar o mesmo território, onde são estabelecidos laços de identidade, e, de alguma maneira, participação na produção simbólica da cidade.

No conto do escritor curitibano,  é justamente o espaço da província que se transforma em metrópole, o que irá contribuir para a degradação do personagem Dario, um sujeito desconhecido, anônimo, estranho ao meio, numa cidade em que as redes de sociabilidades vão se dissolvendo em função do crescimento urbano e populacional na década de 50. O texto, republicado na obra Em busca de Curitiba perdida, integra o livro Cemitério de elefantes, lançado em 1964.

O conto começa com Dario dobrando uma esquina do centro de Curitiba, apressado, sendo
obrigado, logo em seguida, a se sentar na calçada ainda úmida de chuva, ao sofrer um ataque cardíaco. As pessoas acorrem até o local em que ele se encontra, mas o que parece ser uma relação de fraternidade, de ajuda, se mostrará, posteriormente, como apenas uma simulação e a negação do indivíduo enquanto sujeito e cidadão.

Cabe ressaltar que no conjunto da obra de Dalton Trevisan o espaço público tal como é dimensionado em "Uma vela para Dario" é muito mais exceção do que regra. E que mesmo o trânsito dos personagens pelo universo da rua, como nas investidas de Nelsinho e no conto "Noites de Curitiba", acaba sendo mediado, em última instância, por relações geralmente restritas, não incluindo, por exemplo, a população da cidade. Malcolm Silverman observa, inclusive, que há uma prevalência, nas narrativas de DT, dos conflitos de natureza íntima que se configuram, na maioria das vezes, no interior de uma casa ou de um quarto.

Na narrativa de "Uma vela para Dario", o espaço vai cumprir uma função importante como o elemento constitutivo da trama, permitindo compreender as teias de relações interpessoais que nele se formam, e como ocorrem a perda da identidade individual e a noção de não-pertencimento na passagem da província para a metrópole. Dalton, na verdade, vai antever o esfacelamento da rede de sociabilidades no espaço público e a reificação do indivíduo numa província em mutação.

A perda da identidade de Dario vai ocorrer tanto no plano material — pois terá todos os seus pertences roubados —, quanto no campo social, na medida em que é um indivíduo estrangeiro, não pertencente à cidade. Por conta desse anonimato, o protagonista não será devidamente socorrido pela população, assim como pelos órgãos públicos. A primeira atitude contrária à remoção do personagem para um hospital virá de um motorista de táxi. "Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida?"

Na seqüência, os transeuntes chamam a ambulância, que nunca aparece, pensam em levá-lo até à farmácia, mas não o fazem por causa do peso de Dario. Sem os documentos, o protagonista não pode mais ser identificado pela polícia, que, por sua vez, chama o rabecão. Até o final da narrativa ninguém aparece para levar o corpo.

A carteira retirada de seu bolso apenas confirma o seu anonimato, pois não o identifica como uma pessoa nascida na cidade: "Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados (...). Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade". As noções de não-pertencimento e da perda da identidade se acham entrelaçadas e uma é decorrente da outra. Assim, o personagem Dario vai sendo desnudado, aos poucos, nos seus bens materiais, perante uma sociedade que perdeu o sentido da solidariedade e do amor ao próximo: "O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas não se vê guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado".

A cada deslocamento de um local para outro, os pertences do Dario vão sendo furtados: sapatos, o alfinete de pérola na gravata e o relógio de pulso. Não sobrará nem mesmo o paletó e a aliança de ouro que só era destacada molhando o dedo com sabonete, conforme revela o narrador: "O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo — os bolsos vazios".

A noção do não-pertencimento também estabelece uma relação paradoxal dos habitantes da cidade para com o forasteiro. Em primeiro lugar, porque sugere a resistência dos habitantes da província em relação ao indivíduo que é estranho ao seu convívio, em que pese ser o aumento do processo migratório um processo natural nas sociedades em rápida transformação urbana.

Em segundo lugar, o ato de desnudar Dario, um estrangeiro que desperta a atenção de todos, e levar os seus pertences poderia ainda representar, simbolicamente, um conhecimento à distância dos moradores para com o protagonista, sem, no entanto, introduzi-lo no universo de cidade. Em suma, o processo narrativo encaminha-se para a transformação do personagem, de sujeito a objeto, na imagem de um corpo sem identidade, uma vez que até o final da narrativa, continuará esquecido na calçada, despertando, por ironia, apenas a compaixão de um menino de cor, descalço, que vai acender uma vela ao lado do cadáver.

O processo de reificação é gradativo na narrativa de Dalton e atinge seu ápice no momento em que Dario é "pisoteado dezessete vezes" e, no final, quando o corpo do protagonista passa a integrar o próprio espaço, assim como o personagem Chico, de "Pensão Nápoles". Assim, Dario será apenas mais objeto na calçada: "Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva". 

(Ver post do conto neste blog) e o romance "Do outro lado da rua", inspirado nesse conto de Dalton Trevisan.

ENTREVISTA CONCEDIDA A IRIA BRAGA DO PROGRAMA E-CULTURA - 16/02/16


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Noite literária no Wonka Bar




 Lançamento  de "Do outro lado da rua"
movimenta cena literária no Wonka

 O jornalista e professor Roberto Nicolato lançou, na última quarta-feira (17/02), o seu segundo livro de ficção, Do outro lado da rua (Kotter Editorial), no Wonka Bar, em Curitiba. A obra,  inspirada  no conto "Uma vela para Dario", de Dalton Trevisan, tem como cenário a Curitiba dos anos 1950 e da atualidade.
           O evento, que contou com a presença de amigos do escritor, jornalistas, e pessoas interessadas em literatura, fez parte do projeto Vox Urbe, capitaneado pelo escritor e fotógrafo, Ricardo Pozzo. Nicolato conversou com os participantes sobre a construção narrativa do seu segundo romance e de quando começou a se interessar por literatura. Logo após, fez a leitura de alguns trechos do livro "Do outro lado da rua" e a leitura de dois poemas de sua autoria.

           A noite cultural no Wonka Bar continuou com uma sessão de declamação de poemas, como já é de tradição naquele espaço. O destaque ficou para a poeta e uma das finalistas da edição de 2015 do  Prêmio Jabuti, a mineira Liria Porto.

Uma narrativa psicológica
 

         Do outro lado da rua conta a história de Otaviano, um funcionário público aposentado que vive em companhia da empregada e de um gato, no centro da capital paranaense. Sem  conseguir movimentar parte do corpo e preso a uma cadeira de rodas, ele contrata um digitador e, assim, tenta produzir a sua primeira ficção. Mas sua ficção parte de um fato que testemunhou em parte e que mudou sua vida: a misteriosa morte de um forasteiro na Curitiba da década de 50 e que  irá mobilizar diferentes narrativas e modos de contá-la.
            Esse segundo romance do escritor mineiro, radicado em Curitiba, revela em dois tempos narrativos contrastes da vida curitibana e as memórias vivenciadas pelo protagonista, um sujeito atormentado por um antigo sentimento de culpa. "Não tive a intenção de escrever um romance histórico ou policial, mas propor uma narrativa psicológica sobre a glamourosa Curitiba do passado e refletir sobre as relações humanas e os males que nos atordoam", observa Nicolato.

Trecho do livro
            “O que importava é que contratando aquele rapaz estava sendo possível escrever a história do alienígena, do Ulysses moderno que viveu algum tempo naquela Curitiba de não mais, e também o como ele virou objeto de desejo dos maridos vouyers, das damas, das donzelas, das desafamadas e dos jornalistas. Não havia quem não soubesse, quem não tivesse acesso a ao menos um pequeno fragmento de prosa, nas mais das vezes fantasiosa, em conversas de bares, cafés e nos clubes requintados, sobre aquele lídimo Don Juan. Isso contribuiu para ajudar a criar o mito do homem que muitos julgavam conhecer, mas que pouco dele sabiam”.


http://kotter.com.br/publicacao/do-outro-lado-da-rua/












UMA VELA PARA DARIO


Dalton Trevisan
Dario vem apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Assim que dobra a esquina, diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega, senta-se na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o cachimbo.
 Dois ou três passantes à sua volta indagam se não está bem. Dario abre a boca, move os lábios, não se ouve resposta. O senhor gordo, de branco, diz que deve sofrer de ataque.
 Ele reclina-se mais um pouco, estendido na calçada, e o cachimbo apagou. O rapaz de bigode pede aos outros se afastem e o deixem respirar. Abre-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario rouqueja feio, bolhas de espuma surgem no canto da boca.
 Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. Os moradores da rua conversam de uma porta a outra, as crianças de pijama acodem à janela. O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guardachuva na parede. Ma não se vê guarda-chuva ou cachimbo a seu lado.
 A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede - não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
 Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que façam um gesto para espantá-las.
 Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
 Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade.
 Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: é a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes.
 O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo - os bolsos vazios. Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio - quando vivo - só destacava molhando no sabonete. A polícia decide chamar o rabecão.
 A última boca repete - Ele morreu, ele morreu. A gente começa a se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar de um defunto.
 Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
 Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
 Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.
 
Foto: André Rodrigues

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

NO CALOR DO SANGUE DE IRENE NÉMIROVSKY

Eu encontrei a obra de Irène Némirovsky, Calor do Sangue, meio que por acaso, sem qualquer indicação de jornalista, escritor ou amigo. Estava na Rodoviária do Rio quando deparei com um quiosque de livros ( daqueles também instalados em shoppings de Curitiba), tudo a R$10,00 cada, e pensei: no meio de tantos será que não acharia um que fosse do meu agrado?Na verdade, o que eu pretendia era um título chamativo, com poucas palavras e múltiplos significados, envolvente; um projeto gráfico bem cuidado e uma história bem contada. Por apenas R$ 10,00.

 

Quem tem o hábito de ler romances e, lógico, conhece um pouco do mercado nacional, acredito, sabe reconhecê-los. Digo, acredito. Assim gastei R$ 20,00 por dois livros e deixei para trás Rita, Ritinha, Ritona, de Dalton Trevisan, também ao custo de R$ 10,00, não pelo autor, de quem muito admiro, apenas porque não era a literatura apropriada para um trabalhador a caminho de alguns dias de férias em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro.

 

Eu queria mesmo era ler bons romances. E sempre penso nisso quando encontro preciosidades em pequenas feiras. Literatura de qualidade e em promoção. Aí reside a glória... Mas se arrependimento matasse... Dalton, então, que me perdoe.  Nessa vida não é apenas o dinheiro que conta. Ainda falta Rita, Ritinha, Ritona e muitos outros livros desse meu autor predileto para fechar a coleção. Acho que ainda tenho muitos anos de minha vida para comprá-los. Eu acredito.

 

Foi com o ônibus na estrada que encontrei novamente Irène Némirovsky, essa escritora de  origem judia ucraniana, morta aos 39 anos de idade, numa câmera de gás, em Auschwitz, pelo regime nazista; não sem antes  protagonizar uma carreira literária de sucesso, embora a experiência vivida como refugiada, ela e sua família, no interior da França, tenha sido preponderante no êxodo alcançado com sua obra mais prestigiada e transformada em filme: Suíte Francesa.

 

Mas o que eu tinha em mãos era um exemplar de Calor do Sangue, cujo enredo e estrutura tradicional do romance me chamou mais atenção do que o livro Carlota Faiberg, do escritor espanhol, Antonimo Muñoz  Molina, pra mim também desconhecido. Achei que, de outro modo, a obra de Irène combinava mais com o clima "férias de verão", que a discussão proposta por Molina, conforme a orelha do livro( minha única referência até agora), de que não se deve levar ao extremo  as proposições dos Estudos Culturais que tendem a nivelar a baixa e alta cultura... Só lendo pra saber...

 

O fato é que Calor do Sangue me acompanhou em boa parte da viagem e nos dias de temporada no litoral do Rio. E o mais interessante é que pude perceber que o livro dessa escritora, de origem judia, embora tendo sido escrito há muitos anos e apresentando um cenário diferente do meu universo, vejo-o com alguns pontos de correlação (e bastante significativos), com meu segundo romance, Do outro lado da rua. Pra ser mais prosaico, coisa mesmo de sincronia!

 

É lógico que meu livro traz algumas características que diferem da obra de Irène, uma vez que procuro misturar a forma tradicional do romance com uma estrutura temporal mais afeita às técnicas da literatura contemporânea. No mais, sou um escritor iniciante e não me julgo em condições de me comparar aos grandes nomes da literatura. Mas fiquei feliz por compreender que no meu romance há algo do livro de Irène, muito embora me fosse totalmente desconhecida. E estava lá, no ritmo da linguagem, no modo de caracterizar a psicologia das personagens e no enquadramento da voz do narrador para descrever as relações afetivas entre moradores no interior da França. E de como a autora expõe, com agudez e maestria, o  universo das convenções, da hipocrisia e de infidelidades! Afinal, seus personagens como os meus, em Do outro lado da rua,  se dobram ao calor das  paixões.

 

Enfim, é mais gratificante compreender por si próprio a alma da linguagem e a natureza das personagens  do que ser guiado, embora o poder da criação seja fruto do acúmulo de leituras. Descobrir essa semelhança -- mesmo que entre alguns aspectos nas duas obras -- me proporcionou um sentimento verdadeiro e autêntico. E mais:  o livro dessa autora só me faz confirmar  de que já dobrei a primeira curva e que agora é preciso atravessar pontes, rios e seguir uma extensa e apaixonante caminhada.