A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Prosa Paranaense



REPORTAGEM:
DNA DA PROSA PARANAENSE NO 
SÉCULO 20  







Consanguinidade nada aparente


   






Prosa paranaense traduz no realismo ou linguagem algumas das contradições do século 20
   
Roberto Nicolato

     A prosa paranaense pertence a uma árvore geneológica de muitos frutos, mas com raízes que saltam à terra. Para o bem ou para o mal, carece do peso e dos fortes lastros da tradição e do passado. Sendo uma produção mais recente do que a de outros estados brasileiros, está ancorada no novo, como produto da modernidade. E assim traduz, na sua timidez, algumas das contradições do século 20. Seus representantes mais ilustres poderiam descender diretamente da vertente simbolista, que encontrou terreno fértil para se alastrar em Curitiba. Um exemplo típico dessa experiência é o único romance simbolista brasileiro, No Hospício, escrito por Rocha Pombo em 1905, e considerado como o único que pode levar este nome na história da literatura brasileira, segundo o crítico Moisés Massaud. No Hospício é o que se poderia chamar de romance-ensaio, com justaposição de outras linguagens fazendo parte da estrutura narrativa. Sem muita ação, se passa num hospício para onde o personagem Fileto se refugia, como numa torre de marfim, se utilizando do monólogo interior para falar de religião, filosofia, história e literatura.
   

 Se para Massaud é o romance simbolista brasileiro por natureza que antecipa alguns elementos da narrativa moderna, para o crítico Wilson Martins seu valor resume-se ao fato de apenas ser representativo de um movimento. Não mais que isso. "Mais modernamente, a prosa paranaense começa com Newton Sampaio, no final da década de 30. Ele era um moderno entre aspas, preocupado com a temática urbana, família da qual descende Dalton Trevisan", observa. Na verdade, não se pode pensar o projeto literário de Dalton Trevisan sem a revista Joaquim e a influência do escritor paranaense Newton Sampaio, que faleceu em 1938, com apenas 24 anos de idade, vítima de tuberculose. Sampaio morreu antes de ver publicadas as suas obras: Irmandade (1938), que foi premiada pela Academia Brasileira de Letras e Contos do Sertão Paranaense (1939). Dalton Trevisan o elegeu como o maior contista do Paraná. Em artigo da Joaquim, de número 11, diz que Newton Sampaio deixou uma obra talentosa, mas inacabada, e por isso mesmo irregular, alternando contos medíocres – como quase todos os que compõem Contos do Sertão Paranaense – e narrativas exemplares, de grande valor literário, presentes em Irmandade. Essa literatura mais voltada para os dramas humanos, para a gente comum ou da baixa clase média que circula pelas ruas e bairros da cidade também será em Dalton Trevisan um contraponto à literatura ufanista e da estética vazia dos simbolistas paranaenses (Leia-se Emiliano Perneta). Wilson Martins observa um certo ar de família entre os autores paranaenses contemporâneos, mas, assim como os integrantes de um mesmo clã, cada um com uma personalidade muito própria. Ao mesmo tempo, faz uma ressalva: "Essa similaridade não deve ser levada muito a fundo, pois estou oferecendo uma visão impressionista", explica Martins, para quem nestas famílias há muita bastardia. Contigüidade, influências recíprocas e involuntárias, uma vez que a maioria vive numa mesma contemporaneidade. Assim, a temática urbana (como diria Wilson Martins, aquele interesse pela Praça Tiradentes, às 16 horas da tarde) aproxima Dalton Trevisan, Jamil Snege, Leminski e Cristóvão Tezza, da mesma forma que o experimentalismo literário se projeta nas obras de Wilson Bueno, Valêncio Xavier e Leminski. "O que existe hoje são heranças já diluídas do modernismo dos anos 20 e 30 e não da vertente simbolista", arremata. O crítico Miguel Sanches Neto também não acredita em qualquer influência direta do romance simbolista na literatura contemporânea do Paraná. "Talvez possa haver alguma conexão entre Catatau, de Leminski, e No Hospício, de Rocha Pombo...", arrisca. Na realidade, Sanches prefere colocar os autores paranaenses em dois campos, embora não muito delimitados: aqueles que buscam valorizar mais a linguagem que o enredo e os que apresentam uma dicção mais ligada ao conceito modernista de percepção da realidade. No primeira caso, se filiaria a prosa neobarroca de Wilson Bueno em Mar Paraguaio; o experimentalismo de Leminski, em Catatau, a valorização da estrutura narrativa em Manoel Carlos Karan ou o vanguardismo de Sossélla, em Nova Holanda, sem falar na prosa imagética de Valêncio Xavier. Numa vertente mais realista (sem desprezar, no entanto, o apuro no trato da linguaguem), se situaria Dalton Trevisan, Cristovão Tezza, Roberto Gomes, Domingos Pellegrini, Jamil Snege e o próprio Miguel Sanches Neto, cada um com suas características e dicções muito próprias.

     Para a professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Paraná, Marilene Wanhardt, quando se fala em DNA da literatura paranaense o primeiro nome que surge é do contista Dalton Trevisan. "Ele encarna por excelência na sua ficção esse estereótipo do curitibano contido, que fala pouco, e crítico da província. Uma curitibanidade que também se revela no modo de expressão da maioria dos autores que vivem na capital paranaense, numa província que mitifica as suas manifestações menores ou não deixa aflorar suas expressões mais significativas". Se a urbanidade tem certa prevalência como tema na prosa paranaense, por outro lado são poucas as obras que se dedicam à ficção histórica, rural ou sobre a imigração. Um levantamento feito pela professora Marilene na Região Sul, no período de 1955 a 1990, revelou que dos 30 romances históricos publicados no período apenas quatro eram paranaenses, com destaque para O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier e Casa Verde, de Noel Nascimento. "Talvez o fato de sermos pobres na ficção histórica tenha a ver com a questão identitária, já que nosso perfil cultural não é muito divisado. O que não é exatamente ruim, uma vez que não tenhamos de ir atrás desta tradição", observa a professora da UFPR. Marilene diz ainda que não se pode dizer que exista uma literatura paranaense na mesma acepção, por exemplo, da praticada no Rio Grande do Sul. "Embora tenhamos nomes significativos, a produção não traduz esse perfil do estado. O que temos é uma literatura no Paraná", afirma. Neste entrecruzar de influências ou consangüinidade, talvez a expressão do escritor Wilson Bueno possa resumir o assunto: "Somos herdeiros dos simbolistas, das vanguardas, das retaguardas e não podemos fugir do nosso passado. De Homero, passando por Rocha Pombo". Legenda: Capa do livro “Remorso”, da Coleção Brasil Diferente de Newton Sampaio, editado pela Imprensa Oficial do Paraná, em 2002. Linha do tempo 1907 – É publicado o romance No Hospício, do historiador Rocha Pombo. O crítico Moisés Massaud o considera como o principal romance do movimento simbolista. Sem muita ação, livro traz diálogo com a história, filosofia, religião e literatura. Antes outros romances simbolistas haviam sido publicados no Paraná, mas de pouca expressão comoMocidade Morta (1899), de Gonzaga Duque, e Amigos (1900), de Nestor Vitor. 1939 – Newton Sampaio publica Irmandade, livro de contos marcado pelo tom pungente e pela sátira ao modo de vida da província. É considerado como a primeira voz moderna na literatura paranaense e precursor da geração de Dalton Trevisan.
    
      Em  1946, a Revista Joaquim, editada por Dalton Trevisan, surge com a proposta de homenagear todos os Joaquins e propor uma arte de caráter cosmopolita e inovadora. Publicação vai servir como o veículo onde Dalton Trevisan dará visibilidade a sua produção literária. 1959 – Dalton Trevisan publica seu primeiro livro Novelas Nada Exemplares, que já o revela um escritor amadurecido. 1968 – Primeiro livro de Jamil Snege, Tempo Sujo revela uma espécie de narrativa-depoimento da geração que freqüentava a "Velha Adega", em Curitiba, na década 60. Nas décadas de 80 e 90, se destacou no cenário literário local com as obras Como Se Fiz Por Mim Mesmo, Viver É Prejudicial à Saúde e Grande Verão da Leitoa Branca. 1975 – Publicação de Catatau, de Paulo Leminski. Romance experimental que traz um extenso monológo em que se projeta a figura do filósofo René Descartes que supostamente teria vindo ao Brasil junto com Maurício de Nassau. Posteriormente, Leminski acabará se tornando o principal nome da poesia brasileira nos anos 80. 1977 – O Homem Vermelho, de Domingos Pellegrini, ganha o prêmio Jabuti. Com uma prosa ligada à temática social e ao desbravamento do norte do Paraná, Pellegrini vai escrever ainda Terra Vermelha, O Caso da Chácara Chão, entre outros livros, sendo considerado com um dos maiores contistas nacionais. 1981 – Valêncio Xavier começa a ter projeção literária com o lançamento de Mez da Grippe, livro que foge da narrativa tradicional e que tem suscitado polêmicas entre os críticos. Livro é produzido a partir da montagem de recortes de jornais, depoimentos, poemas e cartões postais, numa valorização da imagem, seguindo uma característica própria na produção do autor. É fundada a editora Criar Edições, de Roberto Gomes, ˆria Zanoni e do recém- revelado Cristovao Tezza, que viria se tornar um dos grandes romancistas da geração 80/90. Década de 90 - Destaque para Mar Paraguayo, considerado um dos livros mais importantes da década. Manoel Carlos Karam ganha o Prêmio Cruz e Souza, com o livro Cebola; Miguel Sanches Neto lança Chove sobre Minha Infância, Roberto Gomes retoma a prosa com Solidão em Curitiba e Valêncio Xavier tem sua obra reconhecida nacionalmente. Em paralelo, a produção londrinense revela a prosa de Mário Bortolotto.

Matéria publicada no Caderno G, do extinto jornal impresso, Gazeta do Povo – Curitiba