A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)

domingo, 26 de janeiro de 2014

DOIS POEMAS



TEIA


Nesse espaço,
                     um facho de luz
                                           se

instaura
                      e para sempre
           revela:

Loxosceles

              teia rendida
espaço em
           que miras:
                     vespas noturnas,
       coração de
náufrago.



          LUZ

     Luz que tange o espaço noturno, se aplaca no fundo do corredor, e incide nesse corpo desenhos banais, que um dia povoou sua boca, meio distraído, como que tudo o convidava, sem receio de parecer ingênuo ou despudorado…


Poemas e fotos de Roberto Nicolato

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

RESENHA


Jack London, um caçador

de aventuras

 

Roberto Nicolato

   O escritor norte-americano Jack London é um narrador de aventuras, um explorador da alma humana e das relações sociais. Ler o Lobo do Mar, publicado originalmente em 1904  e lançado recentemente pela Zahar Editora,  é embarcar numa viagem a um mundo insólito e cruel, capitaneado pelo poderoso e inescrupuloso Wolf Larsen, personagem que leva a cabo, e à sua maneira, as teorias darwinianas da evolução das espécies para justificar as suas atitudes amorais e cruéis no comando de uma embarcação rumo à caça de focas no mar do Japão.
      A história começa em São Francisco, nos Estados Unidos, quando o narrador da história, o crítico de literatura, Humphrey van Weyden, sofre um naufrágio no barco em que utilizava para visitar o seu amigo do outro lado da baía.  Após o incidente,  Weyden é salvo pelo capitão Larsen, e, ao contrário do que imaginava  - a esperança de que seria deixado em terra firme -, logo se vê forçado a  integrar a tripulação do navio.
    De intelectual e cavalheiro almofadinha, sem nunca ter tido contato com qualquer esforço físico, o narrador é nomeado por Larsen na modesta função de camaroteiro do veleiro Ghost. Um pesadelo para Weyden, a começar pelas constantes humilhações que tem que enfrentar, vindas do cozinheiro rabugento e mesquinho Mugridge, das tempestades em alto mar e das atrocidades cometidas por Larsen contra aqueles que ousassem descumprir suas ordens.
Com o passar do tempo, Weyden chega à funcão de imediato  e toma consciência de que não há como fugir do julgo do capitão, com o qual passa a discutir filosofias, pois que os instintos primitivos daquele não o impediam de estar na constante presença dos livros. Na realidade, Larsen é tido como um darwnista de carteirinha e acredita que, independente da moral e da civilidade, a exemplo do mundo animal, o que deve prevalecer nas relações humanas é sempre a lei do mais forte.
    O universo opressor em alto mar e a ascendência de Larsen sobre a tripulação do Ghost acaba, aos poucos, por enfraquecer os desejos de revolta de Weyden que vê no capitão a imagem do homem forte, belo e destemido, embora não menos cruel e ameaçador. Essa resignação, no entanto, toma outro rumo na medida em que London insere na narrativa a delicada Maud Brewster, escritora que também é salva de um naufrágio. A figura feminina, em contraste com o primitivo Larsen, será responsável pela guinada de rumo na narrativa de Jack e na própria disposição do narrador, por quem se apaixona.
   Como bom jornalista, London pesquisou muito antes de escrever  O lobo do Mar. Sabe-se que Larsen foi inspirado na lenda criada em torno do capitão Alexander MacLean, que também caçava focas. O próprio London fizera uma viagem ao Japão em 1893, no Sophie Sutherland, onde alternava o trabalho pesado com as leituras de Moby Dick, de Melville, obra que está na fundação do romance moderno. Na verdade, muitos de seus livros são pautados pela experiência pessoal e para quem a vida tinha sido marcada por intensas aventuras.
    Logo de saída, O Lobo do mar tornou-se grande sucesso comercial: em dez dias esgotou-se a tiragem de 40 mil exemplares. Antes dessa obra-prima, o autor havia publicado O chamado selvagem, retratando o inesquecível cão Buck, e cuja obra também colocava em discussão os binômios natureza e cultura e civilização e barbárie, enfim de como é necessário o refreamento dos instintos humanos para que prevaleça o devido e harmonioso convívio social. Nesse sentido, Freud estava coberto de razão.

O Lobo do Mar, de Jack London
Tradução de Daniel Galera
Zahar Editora – 367 págs.

domingo, 12 de janeiro de 2014

MEMÓRIA LITERÁRIA


   


Uma voz do modernismo paranaense

O escritor paranaense Newton Sampaio, que morreu aos 24 anos, influenciou obra de Dalton Trevisan



Roberto Nicolato

      A chegada do modernismo às letras paranaenses tem como marco a geração de escritores e críticos da Revista Joaquim, editada por Dalton Trevisan, na década de 40. Poucos sabem, no entanto, que antes mesmo dessa revolução ainda que tardia na pasmaceira local, um jovem contista já mexia com os ânimos da província.
   Tratava-se de Newton Sampaio, tido como o primeiro contista de vocação modernista do estado, mas que apesar do talento não teve tempo de amadurecer seu projeto literário. Morreu em 1938, com apenas 24 anos de idade e sua história foi mantida em absoluto silêncio.
    Parte da obra de Newton Sampaio ressurgiu já algum tempo numa edição lançada pela Imprensa Oficial do Paraná. Contos Reunidos traziam os dois livros de contos do autor publicados pelos amigos após a sua morte: Irmandade (1938) e Contos do Sertão Paranaense (1939).
        Outro livro também lançado pela Imprensa Oficial foi Remorso, em 2002.
Apesar do primeiro ter sido reeditado em 1978 pela Fundação Cultural de Curitiba, a obra e nome de Newton Sampaio estão injustamente esquecidos e fora do alcance dos leitores.
Newton Sampaio nasceu e viveu na cidade de Tomazina, interior do estado, até completar 13 anos, momento em que se muda para Curitiba. Na capital, inicia o curso de Medicina e passa a escrever em jornais, principalmente no extinto O Dia.
       Em 1934, vai ao Rio de Janeiro, onde dá prosseguimento aos estudos e ganha a vida lecionando, além de publicar contos, crônicas, ensaios e críticas na imprensa fluminense, sobretudo em O Diário de Notícias.  1937 é o ano em que se formaria médico, retornando a Curitiba devido a problemas de saúde. No ano seguinte, iria morrer tuberculoso.
     Newton Sampaio foi influenciado pela linguagem ágil e contida do modernista Antônio de Alcântara Machado.  Avesso ao lirismo, o escritor vai se utilizar da ironia para retratar o universo provinciano, o que o torna, tanto pela temática quanto pela contenção, uma espécie de precurssor do contista Dalton Trevisan.
        Em sua obra, a palavra surge como potência, carregada de significados no mais alto grau possível, conforme a definição de literatura dada poeta Ezra Pound. Exímio contador de histórias, Sampaio oferece um discurso convincente e faz das pequenas cenas e mazelas do cotidiano um farto material para um tipo de literatura que seria propositalmente relegada a várias décadas de esquecimento.
      A vida pequena da província, os desejos sexuais reprimidos e a solidão aparecem sem disfarces num discurso convincente e desprovido de qualquer transbordamento retórico. Em "Castigo" é o pai que num pesadelo sente desejos pela filha; já em "Tragédia das Mãos" o clima opressivo se traduz nos delírios de uma moça mau comportada num colégio de freiras.
        À semelhança das gravuras noturnas de Osvaldo Goeldi, em "Tríptico" a melancolia é um grito de morte "do homem mais triste, mais miúdo e abandonado do mundo", que tem como única companhia a luz do cais que vai se apagando lentamente.
       Sobre a obra de Newton Sampaio escreveu Dalton Trevisan em 1947 um breve comentário que está na orelha de Contos Reunidos. Começa assim: "O maior contista do Paraná foi um moço chamado Newton Sampaio. Morreu aos 24 anos, num sanatório de tuberculose, em 1938 e contra ninguém, neste Paraná, se fez tão grande guerra em silêncio. É que teve, em vida, a coragem de rir dos tabus da província e isso eles não perdoam quando o infiel cai...morto".

"A tormenta se declarou como nunca, o mar invadiu o cais, a cerração domina a cidade, todos os seres se recolheram ao abrigo mais próximo. Por isso não se apague, lampadazinha, não se apague não. A montanha já desapareceu, a água também perdeu a compostura, não sabe o que faz, sobe na terra, volta pro mar, gesticula no ar, doidamente. Só a luzinha da fronteira não fugiu aos olhos do homem. O homem não quer que ela apague, porque então seu desespero não terá remédio. Luzinha, luzinha do poste carcomido! Vá resistindo, vá resistindo sempre, sempre, sempre.(...)"

Reportagem publicada no Jornal Gazeta do Povo em 2002




quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A AVE


                          
(Para Baudelaire)

Atravessa o nevoeiro, estira-se ao sol
Para se aquecer aquela que um dia
Perdeu o dom de voar e, desajeitada,
Bate pesadas asas, aflita.

Repousa nas cordas da embarcação,
Flexionando o dorso nu, num rompante
De mistério, de tão apaixonada
Ela que ao léu estava, triste amante!

Voz fúnebre da noite fria
Agora contorce, volta-se ao mar
Se ergue, aflita, do açoite.

As ondas vão, voltam. Balanço das velas.
Esperou esse dia para mergulhar, a ave
Que agora brilha, e era o sonho do mal.