A isto se chama destino: estar em face do mundo, eternamente em face (Rilke)

domingo, 24 de fevereiro de 2019

E O CHE LHE SORRIU (Leon III)

"Leon observava os turistas, os quais jamais deixariam a ilha sem posar para a tradicional foto, tendo a enorme figura de Che Guevara estampada ao fundo, em estrutura de ferro, em toda a fachada de um prédio público. Quis chegar mais perto, o guarda diz que não era pra se aproximar demais, pois ali era uma área de segurança. Ele mesmo, Leon, também fez pose. “Elias venha um pouco mais pra cá com a máquina, pra que saia na foto ‘Hasta la vitória siempre’” e Che pareceu lhe sorrir, tendo embaixo um guarda carrancudo e impassível, já acostumado ao que há décadas se passava em frente ao local."

Foto: Roberto Nicolato

NO MEMORIAL JOSE MARTÌ (Leon III)






"Algum tempo depois, o táxi deixou os dois amigos na extensa Praça da Revolução e Elias convidou Leon para visitar o Memorial José Martí, poeta e herói da independência cubana. Lá dentro, estava sendo contada, numa exposição de cartazes, as conquistas dos socialismo nos 50 anos da revolução, comemorada naquele ano de 2009. Os amplos salões surgiam na arquitetura moderna e nas fotos via-se a Praça da Revolução tomada pelos cubanos no dia da vitória, o passo a passo da revolução, as poesias e a luta de José Martí, ainda no século XIX. E depois o quetzcoal, numa versão empalhada. Que pássaro lindo! O que estaria fazendo ali?"

Fotos: Roberto Nicolato

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

DE HERÓIS E SIMULACROS (Leon III)

"Leon observou o simulacro de Che e pensou: O que seria do destino da humanidade sem a figura do herói? De Ulisses, aos cavaleiros da Idade Média, dos capitães navegantes dos mares, dos heróis da queda da Bastilha, de Alexandre, o Grande... Che e Fidel foram heróis da revolução socialista, libertou Cuba do regime colonialista de Fulgêncio Batista, Martin Luter King, na libertação dos negros nos Estados Unidos; Cristo foi crucificado e no Brasil, o herói maior, Tiradentes, teve seu corpo esquartejado e exibido pelas ruas da então Vila Rica, onde sua voz ressoa aos menos avisados nas noites da cidade de Ouro Preto."

A ESPERA DO PESCADOR (Giuliano III)

"Um vento a sudeste soprava tranquilo. Depois de percorrer alguns quilômetros, mar a dentro, o velho lançou âncora e sentou-se perto de Giuliano. Uma nuvem de mergulhões cortou o céu em disparada. Num instante, viu que era o Papa quem comandava a pescaria, a corda do molinete lançada ao mar, esperava, e ali, à sua frente, observou um homem em camisa de brim e bermuda caqui, repletas de bolsos, agora numa luta surda contra um marlin exasperado. Era bonito de ver. “Venha pros meus braços”, ele dizia, puxava e esticava a cordoalha..."

Foto: Roberto Nicolato

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

NA TRILHA DE HEMINGWAY (Giuliano III)




"Que tal uma paella, a preferida de Hemingway? – convidou o garçon e apontou, vejam naquela parede estão fotos do único encontro com o comandante Fidel, em 1959. “O comandante venceu o concurso de pesca aqui, em Cojimar, e o troféu foi entregue por Hemingway; e ali a mesa onde sentavam-se o escritor, Gregorio Fuentes e Marta Gellhorn”, mostrou, enquanto as janelas do casarão abriam-se para um retrato nítido e fragmentado da baía".

Fotos: Roberto Nicolato

DA ARTE DE ANDAR PELA CIDADE (Giuliano III)


"Giuliano gostava de caminhar sem rumo. Anotou no moleskine: “A cidade permite muitas leituras, é preciso ler os códigos da cidade, decifrá-los, aprender a arte de andar por suas ruas, onde o caminhante tanto pode se perder quanto se achar. Mas antes de tudo, a cidade deve ser entendida como o espaço humano, da convivência. A verdade é o seu instante”. Lembrou que sempre esteve à procura de algo fugaz; se alcançasse, logo o temor de voltar pra casa de mãos vazias."

Foto: Roberto Nicolato

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

CAMINHANDO PELA OBISPO (Giuliano III)


"Era uma manhã de sol, o calçadão da Obispo fervilhava, com o intenso trânsito de pedestres, o comércio não tão clandestino assim de charutos, venda de comidas de rua, bebidas coloridas, artesanais, bugingagas e lojas onde se emparedavam jovens com celulares tendo ao fundo as marcas Adidas e Via Uno. Era inacreditável: formavam pequenas células capitalistas de consumo, fora ainda do alcance financeiro da grande maioria dos nativos da ilha... Eram, sim, ícones, pequenas recordações do mundo do capital para instantes de deleite dos turistas. Um registro para a sua inseparável Canon".

Do livro "Havana me engana"
Fotos: Roberto Nicolato

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

HAVANA ME ENGANA (André)

"André também se despediu dos amigos e foi em busca de sua Mercedes entre os frequentadores do Dos Gardenias. Vagou bêbado entre as mulheres, os corpos marcados por colants se exibindo... Esbarrou com uma morena, era Mercedes, enfim estava ali, bem perto, e ele a levou para um hotel no Vedado. “Dança pra mim?”, pediu. Uma fresta de luz se enfiou pela janela, incidindo sobre o corpo sinuoso, convidativo, e André percebeu o olhar feroz, dominador de fêmea no cio, ela veio por cima, sexo voraz, e ele era um animal dócil, deixando-se levar pelos seus encantos, violência e docura... “Veio me buscar”, não cansava de repetir a morena, cobrindo André de beijos."

De  "Havana me engana"

O IDEAL DO BELO (André)

"-- Ele é um exímio guitarrista, contou Leon e todos olharam para André, que mantinha-se completamente alheio, e o que Giuliano sentia por aquele cara ao lado não era atração sexual mas algo simbólico, como representação ideal do belo, pois a ele não cabia afirmar ou negar o seu querer, vivia na contemplação, como se a vida fosse um completo estágio de arte. No fundo, estava acostumado a sempre vivenciar um amor platônico e era o que bastava. Melhor, sempre tinha em mente, se apaziguar no que era possível antes de incorrer em sofrimentos fatais".

De "Havana me engana"

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

NAS RUAS, SEM DIREÇÃO (André)


"Já era noite quando André e os dois jovens deixaram o restaurante. Pegaram a San Lázaro, às escuras, vultos caminhavam sem direção, André nunca havia se visto num universo tão distante do seu. “Você vai na frente, certa distância da gente. Vamos pegar um taxi”, instruiu Juan e os dois jovens se separaram de André, que caminhou sem muita segurança no breu, pelas ruas sujas, esburacadas, até que o táxi parou ao seu lado e ele entrou no banco traseiro de um Chevrolet anos 50, se acomodando ao lado de Juan. Miguel ia na frente com o motorista.

-- Pra onde estamos indo? – quis saber
-- Você vai ver, é uma surpresa – respondeu Juan."

De "Havana me engana"

Foto: Roberto Nicolato

NA MILITÂNCIA (Leon)



"-- Pelo que contam era um jovem um idealista, relaxadão, bem diferente da figura do militar sisudo e sério que se tornou, embora em algumas vezes retornasse o seu senso de humor. Naquele tempo, era famoso pelo jeito descontraído, usava um terno de lã azul marinho, sempre aberto e a gravata solta, aquele homem grande de passos largos buscava arrebanhar seguidores, contrários ao regime, à corrupção que tomava conta da própria Universidade de Havana, onde era estudante de direito, aqui ele fazia a sua militância, chamando cada um para uma conversa reservada, mas nem tanto,(...) Leon até imaginava a figura do jovem Fidel entrando no café, a agitação dos estudantes nas mesas, até se dar conta da presença de Anna, bem à sua frente..."

De "Havana me engana"

Foto: Roberto Nicolato

DEUS E O DIABO (Leon)



"Ao deixarem o Paladar, Leon, Elias e Anna tomaram a direção da Universidade de Havana; a escadaria os levou ao ápice, aos pés da imponente deusa Minerva, a Alma Mater de braços abertos para a cidade, templo do conhecimento e da sabedoria, de onde Leon avistou uma Havana, branca, ensolarada e em ruínas.
-- Olá – um jovem investiu mansamente na direção de Leon.
-- Sabia que naquele salão o papa se encontrou com o comandante? Deus e o diabo juntos..."

De "Havana me engana"


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

DE HERÓIS E DESTERRADOS (Leon)

"Pensou: A saga dos heróis é um contínuo voltar pra casa, encontrar uma mãe complacente, uma esposa zelosa e uma pátria pronta a servir, embora muitos não deem conta de que se tornaram
seres inadaptáveis, alienados em sua própria memória. Desterrados. Subiu a avenida até a Praça Central, onde deparou-se com uma imensa fila de trabalhadores cubanos".

Do romance "Havana me engana"

Foto: Roberto Nicolato

NA TELA DO CINEMA (Giuliano)

''Sem se dar conta já ocupava uma cadeira na fila de trás do cinema, assistindo Ceguera; uma imensa luz projetou na tela, sobre um rosto desfigurado, as cidades de São Paulo, Toronto, Montevideu devastadas pela cegueira física e moral... E Giuliano se viu perdido numa cidade anônima, sem presente ou passado, e suas ruas eram labirintos por onde tentava achar uma saída, queria chegar até a rodoviária, voltar pra casa... Que cidade é essa?..''

Do romance "Havana me engana"

Foto: Roberto Nicolato

CASA DE LAS AMÉRICAS (Giuliano)


"Quando viu Giuliano, Estelita abriu um sorriso e veio rápida em sua direção.
-- Prazer em conhecê-lo, pessoalmente! Os brasileiros são sempre bem vindos em Cuba.
Isso ele já sabia, que a relação cultural entre os dois países tinha se fortalecido no período da ditadura nas décadas de 70 e 80, especialmente nas áreas da música e da literatura. Isso pra não falar das novelas brasileiras, que emocionavam as famílias cubanas durante o horário nobre da televisão estatal, antes do pronunciamento de Fidel Castro.
-- Eu sei – respondeu com simpatia e Estelita o convidou para conhecer a Casa de las Américas.
Giuliano foi conduzido pelas dependências do prédio, de estilo art déco, amplos salões, construído logo após a revolução para aproximar os povos e isso estava patente no mapa das duas américas, estampado numa das fachadas da catedral da cultura socialista''.

De "Havana me engana"
Foto: Roberto Nicolato

domingo, 3 de fevereiro de 2019

TRAVESSIA (André)

Mercedes contou que a irmã, Graziela, ia tentar a travessia com o namorado no dia seguinte. “O pior, André, é quando sua família vai se desintegrando, fugindo da vista da gente, pra um dia que você não sabe quando...”, disse naquela noite calorenta, sentada na amurada do Malecon e André beijou seus olhos, a abraçou num misto de amor e compaixão, e falou que era melhor mesmo que ela não se arriscasse na travessia, os barcos eram frágeis, muitos naufragavam, e ele logo percebeu que a moça, assim como tantas outras, sonhava em encontrar alguém que pudesse levá-las o mais depressa dali


De "Havana me engana"

Roberto Nicolato

NO UNIVERSO DA RUMBA (André)


Um homem negro também entrou na roda de colar e guias no peio nu, atiçando os que acompanhavam, jogando os braços pra cima e pra baixo, as pernas tremulando num gingado, deslizando no cimento fosco... Como um galo afoito e sedutor, ele se aproximou da morena de short branco e bustiê, ela provocando num jogo de conquistas, e ele enfiou rapidamente uma das pernas por trás da moça e ela numa fuga zombeteira, adiantou alguns passos, colocando e tirando o lenço das partes íntimas, na defensiva, ao mesmo tempo em que se entregava ao universo da rumba e da lascívia, lembrando o ritual da fertilidade que caracteriza o guaguancó.
                                                                                                                  
De "Havana me engana" 

Foto: Roberto Nicolato