Guerra de Torcidas
Próximo ao rio ficava o campo de
futebol. Naquele domingo pela manhã, o time da casa iria receber um visitante
de peso. A pequena torcida era composta principalmente por moças e crianças. Ele,
um moleque franzino, de calças curtas, se juntou ao bando e se foram a desfilar
pela grama, lateral ao campo, de uniformes e bandeiras, acompanhados por uma
pequena charanga, a tocar e a sinalizar nas letras de músicas conhecidas os
mais desaforos em relação à torcida rival.
No meio da pequena multidão, um
rosto se destacava. Era Marcela, já na adolescência, com seu rosto provocativo,
marcado por sardas e os olhos verdes que mais lembrava Babi, uma gatinha arisca
que vivia no povoado.
Marcela empunhava a bandeira verde e
branca do Independente Futebol Clube, o suor escorria pela blusa amarrada na
cintura por um nó, e os seios durinhos a lhe provocar, assim como as pernas
torneadas que se moviam com vigor por debaixo da minissaia.
-- Vamo pra cima deles! Dizia com
ferocidade, apanhando em todo o espaço em que havia muchibas de laranja para
assustar a torcida adversária. Precisavam saber que eram do mato e eles da
cidade e, por isso eram, por sorte do destino, mais animais e, portanto, mais fortes.
A guerra de muchibas e de palavrões
foi declarada. O que lhe movia era algo instintivo e não quis saber naquele
momento em quem estava do lado de lá, a não ser o inimigo. Como nos soldadinhos
de chumbo. No campo, o jogo também
esquentava. José Adauto jogava muito pelas pontas, Danilo tinha um chute forte
e certeiro e Antônio Carlos era o melhor do time, pois que driblava com astúcia
e sabedoria.
Tinham até uma trilha sonora para
embalar a torcida. Coisa pra irritar, mesmo. Quando do primeiro gol do time da
casa, a euforia tomou conta de todos, assim como as provocações, o que irritou
ainda mais a torcida adversária. E
não sem hora, a confusão engrossou, com palavrões, e foi quando Marcela, que
avançava na frente como uma guerreira, recebeu na cabeça uma pedrada.
A menina não percebeu de imediato,
até que o sangue verteu quente pelo rosto, entre os cabelos e a boca. Sentiu-se
fora da luta e foi então que todos começaram a dar conta de que se tratava mais
do que uma inocente briga de torcidas.
Marcela foi resgatada do chão por
vários braços, carregada num ritmo veloz, que foi abrindo caminho na multidão
até ser instalada dentro de um jeep. Ele olhou seu rosto ensanguentado e não se esqueceu jamais
daqueles olhos verdes e febris. Dali, ela foi levada ao hospital da cidade mais próxima.
Voltou para casa no mesmo dia, ainda
mais bonita, com o curativo na cabeça, sinal de luta e heroísmo. Estava feliz e
isso ele pôde ver nos seus verdes olhos. O Independente sofreu muito, lhe
disseram, mas venceu com garra e talento um time de peso da segunda divisão.
(Extraído do livro "A caminhada ou O homem sem passado", de Roberto Nicolato)
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