Uma voz do modernismo
paranaense
O escritor paranaense Newton Sampaio, que morreu aos
24 anos, influenciou obra de Dalton Trevisan
Roberto Nicolato
A chegada do modernismo às letras paranaenses tem como
marco a geração de escritores e críticos da Revista
Joaquim, editada por Dalton Trevisan, na década de 40. Poucos sabem, no
entanto, que antes mesmo dessa revolução ainda que tardia na pasmaceira local,
um jovem contista já mexia com os ânimos da província.
Tratava-se de Newton Sampaio, tido como o primeiro
contista de vocação modernista do estado, mas que apesar do talento não teve
tempo de amadurecer seu projeto literário. Morreu em 1938, com apenas 24 anos
de idade e sua história foi mantida em absoluto silêncio.
Parte da obra de Newton Sampaio ressurgiu já algum
tempo numa edição lançada pela Imprensa Oficial do Paraná. Contos Reunidos traziam os dois livros de contos do autor
publicados pelos amigos após a sua morte: Irmandade
(1938) e Contos do Sertão Paranaense (1939).
Outro livro também lançado pela Imprensa Oficial foi
Remorso, em 2002.
Apesar do primeiro ter sido reeditado em 1978 pela
Fundação Cultural de Curitiba, a obra e nome de Newton Sampaio estão
injustamente esquecidos e fora do alcance dos leitores.
Newton Sampaio nasceu e viveu na cidade de Tomazina,
interior do estado, até completar 13 anos, momento em que se muda para
Curitiba. Na capital, inicia o curso de Medicina e passa a escrever em jornais,
principalmente no extinto O Dia.
Em 1934, vai ao Rio de Janeiro, onde dá prosseguimento
aos estudos e ganha a vida lecionando, além de publicar contos, crônicas,
ensaios e críticas na imprensa fluminense, sobretudo em O Diário de Notícias. 1937
é o ano em que se formaria médico, retornando a Curitiba devido a problemas de saúde.
No ano seguinte, iria morrer tuberculoso.
Newton Sampaio foi influenciado pela linguagem ágil e
contida do modernista Antônio de Alcântara Machado. Avesso ao lirismo, o escritor vai se utilizar da ironia para
retratar o universo provinciano, o que o torna, tanto pela temática quanto pela
contenção, uma espécie de precurssor do contista Dalton Trevisan.
Em sua obra, a palavra surge como potência, carregada
de significados no mais alto grau possível, conforme a definição de literatura
dada poeta Ezra Pound. Exímio contador de histórias, Sampaio oferece um
discurso convincente e faz das pequenas cenas e mazelas do cotidiano um farto
material para um tipo de literatura que seria propositalmente relegada a várias
décadas de esquecimento.
A vida pequena da província, os desejos sexuais
reprimidos e a solidão aparecem sem disfarces num discurso convincente e
desprovido de qualquer transbordamento retórico. Em "Castigo" é o pai
que num pesadelo sente desejos pela filha; já em "Tragédia das Mãos"
o clima opressivo se traduz nos delírios de uma moça mau comportada num colégio
de freiras.
À semelhança das gravuras noturnas de Osvaldo Goeldi,
em "Tríptico" a melancolia é um grito de morte "do homem mais
triste, mais miúdo e abandonado do mundo", que tem como única companhia a
luz do cais que vai se apagando lentamente.
Sobre a obra de Newton Sampaio escreveu Dalton
Trevisan em 1947 um breve comentário que está na orelha de Contos Reunidos. Começa assim: "O maior contista do Paraná foi
um moço chamado Newton Sampaio. Morreu aos 24 anos, num sanatório de
tuberculose, em 1938 e contra ninguém, neste Paraná, se fez tão grande guerra
em silêncio. É que teve, em vida, a coragem de rir dos tabus da província e
isso eles não perdoam quando o infiel cai...morto".
"A tormenta
se declarou como nunca, o mar invadiu o cais, a cerração domina a cidade, todos
os seres se recolheram ao abrigo mais próximo. Por isso não se apague,
lampadazinha, não se apague não. A montanha já desapareceu, a água também
perdeu a compostura, não sabe o que faz, sobe na terra, volta pro mar,
gesticula no ar, doidamente. Só a luzinha da fronteira não fugiu aos olhos do
homem. O homem não quer que ela apague, porque então seu desespero não terá
remédio. Luzinha, luzinha do poste carcomido! Vá resistindo, vá resistindo
sempre, sempre, sempre.(...)"
Reportagem publicada no
Jornal Gazeta do Povo em 2002
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