REPORTAGEM:
DNA DA PROSA PARANAENSE NO
SÉCULO 20
Consanguinidade nada aparente
Prosa paranaense traduz no realismo ou linguagem algumas das contradições do século 20
Roberto Nicolato
A prosa paranaense pertence a uma árvore
geneológica de muitos frutos, mas com raízes que saltam à terra. Para o bem ou
para o mal, carece do peso e dos fortes lastros da tradição e do passado. Sendo
uma produção mais recente do que a de outros estados brasileiros, está ancorada
no novo, como produto da modernidade. E assim traduz, na sua timidez, algumas
das contradições do século 20. Seus representantes mais ilustres poderiam
descender diretamente da vertente simbolista, que encontrou terreno fértil para
se alastrar em Curitiba. Um exemplo típico dessa experiência é o único romance
simbolista brasileiro, No Hospício,
escrito por Rocha Pombo em 1905, e considerado como o único que pode levar este
nome na história da literatura brasileira, segundo o crítico Moisés Massaud. No
Hospício é o que se poderia chamar de romance-ensaio, com justaposição de
outras linguagens fazendo parte da estrutura narrativa. Sem muita ação, se
passa num hospício para onde o personagem Fileto se refugia, como numa torre de
marfim, se utilizando do monólogo interior para falar de religião, filosofia,
história e literatura.
Para
a professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Paraná,
Marilene Wanhardt, quando se fala em DNA da literatura paranaense o primeiro
nome que surge é do contista Dalton Trevisan. "Ele encarna por excelência
na sua ficção esse estereótipo do curitibano contido, que fala pouco, e crítico
da província. Uma curitibanidade que também se revela no modo de expressão da
maioria dos autores que vivem na capital paranaense, numa província que
mitifica as suas manifestações menores ou não deixa aflorar suas expressões
mais significativas". Se a urbanidade tem certa prevalência como tema na
prosa paranaense, por outro lado são poucas as obras que se dedicam à ficção
histórica, rural ou sobre a imigração. Um levantamento feito pela professora
Marilene na Região Sul, no período de 1955 a 1990, revelou que dos 30 romances
históricos publicados no período apenas quatro eram paranaenses, com destaque
para O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier e Casa Verde, de Noel Nascimento.
"Talvez o fato de sermos pobres na ficção histórica tenha a ver com a
questão identitária, já que nosso perfil cultural não é muito divisado. O que
não é exatamente ruim, uma vez que não tenhamos de ir atrás desta
tradição", observa a professora da UFPR. Marilene diz ainda que não se
pode dizer que exista uma literatura paranaense na mesma acepção, por exemplo,
da praticada no Rio Grande do Sul. "Embora tenhamos nomes significativos,
a produção não traduz esse perfil do estado. O que temos é uma literatura no
Paraná", afirma. Neste entrecruzar de influências ou consangüinidade,
talvez a expressão do escritor Wilson Bueno possa resumir o assunto:
"Somos herdeiros dos simbolistas, das vanguardas, das retaguardas e não
podemos fugir do nosso passado. De Homero, passando por Rocha Pombo".
Legenda: Capa do livro “Remorso”, da Coleção Brasil Diferente de Newton
Sampaio, editado pela Imprensa Oficial do Paraná, em 2002. Linha do tempo 1907
– É publicado o romance No Hospício, do historiador Rocha Pombo. O crítico
Moisés Massaud o considera como o principal romance do movimento simbolista.
Sem muita ação, livro traz diálogo com a história, filosofia, religião e
literatura. Antes outros romances simbolistas haviam sido publicados no Paraná,
mas de pouca expressão comoMocidade Morta (1899), de Gonzaga Duque, e Amigos
(1900), de Nestor Vitor. 1939 – Newton Sampaio publica Irmandade, livro de contos
marcado pelo tom pungente e pela sátira ao modo de vida da província. É
considerado como a primeira voz moderna na literatura paranaense e precursor da
geração de Dalton Trevisan.
Em
1946, a Revista Joaquim, editada por Dalton Trevisan, surge com a
proposta de homenagear todos os Joaquins e propor uma arte de caráter
cosmopolita e inovadora. Publicação vai servir como o veículo onde Dalton
Trevisan dará visibilidade a sua produção literária. 1959 – Dalton Trevisan
publica seu primeiro livro Novelas Nada Exemplares, que já o revela um escritor
amadurecido. 1968 – Primeiro livro de Jamil Snege, Tempo Sujo revela uma
espécie de narrativa-depoimento da geração que freqüentava a "Velha
Adega", em Curitiba, na década 60. Nas décadas de 80 e 90, se destacou no
cenário literário local com as obras Como Se Fiz Por Mim Mesmo, Viver É
Prejudicial à Saúde e Grande Verão da Leitoa Branca. 1975 – Publicação de
Catatau, de Paulo Leminski. Romance experimental que traz um extenso monológo
em que se projeta a figura do filósofo René Descartes que supostamente teria
vindo ao Brasil junto com Maurício de Nassau. Posteriormente, Leminski acabará
se tornando o principal nome da poesia brasileira nos anos 80. 1977 – O Homem
Vermelho, de Domingos Pellegrini, ganha o prêmio Jabuti. Com uma prosa ligada à
temática social e ao desbravamento do norte do Paraná, Pellegrini vai escrever
ainda Terra Vermelha, O Caso da Chácara Chão, entre outros livros, sendo
considerado com um dos maiores contistas nacionais. 1981 – Valêncio Xavier
começa a ter projeção literária com o lançamento de Mez da Grippe, livro que
foge da narrativa tradicional e que tem suscitado polêmicas entre os críticos.
Livro é produzido a partir da montagem de recortes de jornais, depoimentos,
poemas e cartões postais, numa valorização da imagem, seguindo uma
característica própria na produção do autor. É fundada a editora Criar Edições,
de Roberto Gomes, ˆria Zanoni e do recém- revelado Cristovao Tezza, que viria
se tornar um dos grandes romancistas da geração 80/90. Década de 90 - Destaque
para Mar Paraguayo, considerado um dos livros mais importantes da década.
Manoel Carlos Karam ganha o Prêmio Cruz e Souza, com o livro Cebola; Miguel
Sanches Neto lança Chove sobre Minha Infância, Roberto Gomes retoma a prosa com
Solidão em Curitiba e Valêncio Xavier tem sua obra reconhecida nacionalmente.
Em paralelo, a produção londrinense revela a prosa de Mário Bortolotto.
Matéria publicada no Caderno G, do extinto
jornal impresso, Gazeta do Povo – Curitiba
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